Saiu ontem a centésima edição do guia Michelin, a francesa, e isto está em todas as mídias de gastronomia hoje. Mas o mais interessante é que pela sexta vez um chef desistiu das estrelas por causa do stress de tocar um restaurante 3 estrelas sob os critérios do Michelin.
Desta vez o chef Marc Veyrat, de 58 anos, decidiu parar de tocar pessoalmente o restaurante Auberge de l”Eridan, em Annecy, na Savóia Francesa, em meio aos Alpes. Ele disse que fisicamente já fez o máximo que podia fazer e culpou o stress de ter que manter a coisa no ponto máximo o tempo todo. O restaurante continua funcionando mas agora mais light e despreocupado. Mas espertamente ele anunciou sua decisão tarde demais para o guia retirá-lo da impressão desta edição, e ainda está lá com suas 3 estrelas em 2009.
Em novembro do ano passado o chef Olivier Roellinger, de 53 anos, resolveu fechar seu 3 estrelas Maisons de Bricourt, no pequeno porto de Cancale na Bretanha, dizendo que fisicamente não podia mais continuar cozinhando, “minhas pernas não me seguram mais”. Dizem todos que o problema não foi físico, mas a pressão que ele sentia todo dia para manter a alta qualidade.
Ambos chefs pretendem continuar na cozinha, mas tocando restaurantes mais simples e descontraídos.
Outros 4 chefs já desistiram anteriormente das estrelas Michelin: Joel Robuchon em 1996, Alain Senderens em 2005, Antoine Westermann em 2006, e o mais dramático, Bernard Loiseau, que escolheu o caminho mais definitivo, suicidando-se em 2003 quando chegaram-lhe rumores que na próxima edição seu restaurante perderia a terceira estrela. Este com certeza estava estressado mesmo. Lembro que esta notícia saiu no mundo inteiro.
O crítico do Le Figaro, François Simon, disse que o stress é enorme, “é como se todo dia você tivesse que acordar de manhã e pilotar um jato de Londres a Los Angeles. Você sempre tem que estar impecável, e chega um ponto em que você não tem mais a energia, a felicidade e a excitação para fazê-lo”.
Se somarmos isto com as críticas que o Michelin vem recebendo há alguns anos, de não acompanhar as mudanças no mercado da gastronomia – como a multiplicação dos bistrôs de qualidade pelas grandes capitais, a sua criação de guias para cidades não tão reconhecidas pela gastronomia como Macau (e São Paulo não tem a sua edição), e desta vez o fato deles terem dado a terceira estrela ao restaurante do Hotel Bristol em Paris reconhecidamente porque o presidente Sarkozy costuma almoçar por lá, chegamos à conclusão que sim, alguma coisa de muito importante está mudando no tradicional círculo da elite gastronômica mundial.
Talvez seja por inclinação pessoal minha, mas não deixo de pensar que a web tem também algo a ver com isto, ainda que não pela decisão dos chefs, mas pelas mudanças gerais em critérios e processos. Afinal, toda esta horizontalização social em comunidades gastronômicas espalhadas pelo planeta e a capacidade de produzir informação de alta credibilidade (por serem opiniões pessoais) das novas mídias 2.0, tendem a democratizar todos os processos e a reforçar transparências que nunca foram muito desejadas pelas instituições, como é o caso do guia Michelin. Ok, isto ainda pode ser um fenômeno leve, mas os efeitos estão por aí. Além disso, os interesses em dar estrelas para este ou aquele restaurante por questões de política ou de relacionamento do grupo acabam por minar um pouco a credibilidade destas estrelas. E ainda também, quantos dos profissionais querem de verdade, lá no seu íntimo mesmo, serem os melhores? Por que teriam eles que serem os melhores e não simplesmente bons profissionais fazendo o que gostam?
Claro que é mais fácil abandonar tudo e ir montar uma pousada na praia quando você já alcançou o topo e provavelmente vai viver destas memórias, que lhe trarão também recursos, mas este não é o unico caminho, nem para os chefs e nem para nós, simples mortais que adoramos comer. E estes chefs que deixaram suas estrelas, mais os que provavelmente ainda vão deixar no futuro próximo, confirmam que o guia Michelin ainda vai ter que se adaptar às diferentes faces da realidade da gastronomia nos dias atuais. Diferentes faces da nova sociedade.
Será que quando São Paulo tiver uma edição do Michelin ele já não vai valer mais nada?
Tanto stress assim, eu heim…
Os dados dos chefs e as frases citadas eu li no Telegraph.
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